O leite contém uma combinação perfeita de proteínas que, além de fornecerem aminoácidos essenciais, promovem a saciedade. Uma complementariedade de proteínas, de digestão lenta (caseínas) e rápida (proteínas do soro, as famosas whey protein), faz do leite uma fonte consistente de aminoácidos para o crescimento e desenvolvimento das crianças. Outro benefício dessa simultaneidade proteica, exclusiva do leite, é a promoção da saciedade, ideal para quem precisa reduzir o consumo total de energia sem comprometer a nutrição.
Como se tudo isso não bastasse, estudos recentes evidenciaram as propriedades antimicrobianas de uma proteína altamente abundante no leite dos mamíferos, a lactoferrina. Chamada de “a proteína da vez”, a lactoferrina modula o sistema imune pela promoção da proliferação e ativação das células de defesa, protegendo o organismo contra infecções.
Lactoferrina
Pesquisas recentes expandiram nosso conhecimento sobre as defesas biológicas do recém-nascido, concentrando-se nas propriedades antimicrobianas de uma proteína altamente abundante no leite dos mamíferos, a lactoferrina. Eles caracterizaram a incrível versatilidade desta proteína, tanto em termos da sua estrutura quanto de suas atividades antimicrobianas.
O recém-nascido tem um sistema de defesa imunológico imaturo. Consequentemente, ele depende fortemente de fatores maternos para ajudá-lo a se proteger de infecções bacterianas e virais. Essa primeira linha de defesa deve neutralizar rapidamente as ameaças e discriminá-las entre externas e próprias, bem como entre patogênicas (causadoras de doenças) e não patogênicas.
Os pesquisadores há muito sabem que um componente da lactoferrina, um peptídeo denominado lactoferricina, possui atividade antimicrobiana. Esse peptídeo se liga a bactérias e produz peróxidos tóxicos que, então, destroem as bactérias.
Prevenção de doenças
Mais recentemente, descobriram outras atividades antimicrobianas da lactoferrina, que são distintas daquelas da lactoferricina e mediadas por uma gama de açúcares complexos ligados a diferentes regiões da proteína. As grandes surpresas, a partir dos resultados desta pesquisa, são a extensão e variabilidade destes açúcares complexos, bem como o alcance de suas atividades antimicrobianas. Eles observaram que a lactoferrina ajuda a prevenir a fixação de bactérias causadoras de problemas intestinais e, em alguns casos, a invasão das células epiteliais do cólon, causadoras de gastroenterites.
As lactoferrinas do leite de vaca podem ter propriedades antimicrobianas únicas, muito úteis para os seres humanos na prevenção de doenças. Há evidências de que a lactoferrina do leite de vaca haja contra a doença de Crohn, osteoartrite e uma variedade de cânceres, como de pulmões e estômago. No caso da doença de Crohn, pesquisadores observaram que a lactoferrina modulou a resposta inflamatória das células intestinais, impedindo a invasão bacteriana.
A lactoferrina também apresenta um efeito benéfico na redução da diarréia em crianças sem problemas de saúde pré-existentes. Em um estudo publicado no Journal of Pediatrics, 555 crianças saudáveis, do Peru, receberam doses de lactoferrina bovina, que reduziu a duração e a severidade dos quadros de diarreia.
Nos ossos, a lactoferrina promove o crescimento, fazendo com que as células (osteoblastos) se dividam. Por outro lado, ela inibe o desenvolvimento das células que absorvem os ossos, os osteoclastos. Além disso, a lactoferrina parece tornar os ossos mais fortes, reduzindo a produção de uma molécula chamada “Fator de Necrose Tumoral”. Este efeito é, particularmente, benéfico para pessoas que sofrem de osteoartrite.
Com relação aos vários tipos de câncer, alguns mecanismos conhecidos de ação da lactoferrina incluem o suicídio (apoptose) das células danificadas, além da inibição da criação de novos vasos sanguíneos para alimentar os tumores.
Zika e Chikunggunya
O efeito benéfico mais recente foi descoberto contra os vírus da Zika e Chikungunya, utilizando a lactoferrina isolada do leite de vaca. Pesquisadores brasileiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Evandro Chagas fizeram os testes em três situações. Antes da infecção, no primeiro contato do vírus com as células, e depois que eles se instalam. Nos três casos, a lactoferrina conseguiu reduzir a infecção pelos vírus em até 80%. É como se a cada dez vírus, oito fossem bloqueados pela proteína. Eles observaram também que a proteína é ainda capaz de inibir a multiplicação do vírus dentro da célula infectada. Ela tem esse potencial de atacar a infecção mesmo depois de ela ter se estabelecido na célula. O próximo passo deste estudo é identificar a quantidade de lactoferrina necessária para exercer esta função protetora em humanos.
A lactoferrina é claramente uma proteína multifacetada por excelência. O nome representa uma variedade de formas físicas que conferem um espectro de atividades antimicrobianas, muitas delas ainda a serem descobertas. O melhor de tudo, é que ela está presente no leite de vaca – um alimento completo e de baixo custo.
Flávia Fontes
Médica Veterinária, D.Sc. Nutrição Animal
Editora-chefe da Revista Leite Integral e do Movimento #bebamaisleite
Diretora científica da ABRALEITE
Fonte: Beba Mais Leite